Amyr Klink: “O Brasil tem medo do mar”

  • 9 de agosto de 2013
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Amante do mar e dos livros, Amyr Klink já realizou mais de 40 expedições à Antártica, com as embarcações que ele mesmo produz, e garante não ser algo do outro mundo. “A imprensa infelizmente coloca muita coisa errada em relação a esses lugares, fazendo uso de adjetivos extremos e hiperlativos. É muito mais simples de se ir pra lá do que a gente imagina. Hoje, existem mais de 30 embarcações que viajam regularmente pra Antártica com turistas”, comenta o navegador que atualmente leva diversos brasileiros para conhecer o paraíso gelado. “A partir do ano que vem, iniciaremos um projeto com o Paratii 2 (nome do barco), para fazer uma espécie de compartilhamento das viagens com pessoas que tenham vontade de conhecer os lugares da Antártica. Qualquer pessoa que tiver interesse vai participar da viagem como protagonista, não como turista”, garante Amyr.

Entre Marinas e barcos, Amyr já relatou muitas de suas experiências nos vários livros que escreveu, como o best seller, “100 dias entre céu e mar”, sobre a sua famosa travessia pelo Oceano Atlântico, a bordo de um barco a remo.

Amyr Klink nos conta que sua ligação com o mar começou como uma curiosidade, se tornou uma paixão, e, hoje, é um misto de paixão com trabalho. “Tenho negócios ligados ao mar. No nosso dia-a-dia, e nas férias, gostamos de navegar”, comenta o viajante que mantém uma marina com capacidade para 180 barcos, na fazenda Engenho da Boa Vista, em Paraty. “Recebo barcos do mundo inteiro. É uma atividade que eu adoro. Os próprios brasileiros passam a ter uma convivência entre barcos, como se fosse num condomínio”.

O aventureiro do mar, no entanto, se diz decepcionado com a atual falta de incentivo do Brasil às questões marítimas e de navegação em geral. Amyr Klink acha que o país ainda precisa melhorar e muito o seu sistema hidroviário, de portos e marinas, além de repensar o sistema de transporte, um assunto muito recorrente, nos últimos tempos, por todo o país.

Cético e preciso, o navegador diz que ainda estamos longe de valorizar o mar e adotar uma política mais concisa sobre o aproveitamento hídrico como meio de locomoção. Confira o desabafo de Amyr Klink, em entrevista exclusiva para a Residenciais.

Residenciais. O mar ainda é para poucos?
Amyr Klink. O mar é um ambiente que não permite erros. Mesmo para os aprendizes, se você for cuidadoso, vai longe. Eu acho que não é um ambiente difícil. É um ambiente que exige muito respeito.

Residenciais. E o mercado de marinas no Brasil? É um bom negócio?
Amyr Klink. O negócio de marinas tem crescido muito no mundo. No Brasil, ainda está em processo de amadurecimento, de evolução, porque a gente não tem normatização. Os incorporadores e empreendedores não conhecem muito bem a parte técnica de como funciona. E é uma atividade muito interessante, que gera muito emprego local, gera um impacto positivo e é altamente rentável. Mais rentável do que a área imobiliária, só que demanda um cuidado, um licenciamento muito grande. Mas é uma atividade que não dá dor de cabeça, e causa um impacto positivo no meio ambiente. A gente oferece todos os serviços de água, energia, coleta do lixo, transporte e comunicação.

Residenciais. Seriam condomínios flutuantes?
Amyr Klink. É o que eu gostaria de fazer no futuro. Em vários lugares do mundo já existe isso, como na Holanda, na Alemanha, em Vancouver, Seattle. Você tem marinas e casas flutuantes que são literalmente condomínios flutuantes. Mas o Brasil tem medo do mar. Culturalmente, a gente virou as costas pro mar. Só lembramos dele pra jogar esgoto, lixo, ir à praia, mas, para fazer intervenções bem feitas, nós ainda estamos muito aquém do que deveria ser. Nós não temos a cultura de desenvolver borda d´água, por exemplo. Os brasileiros nem sabem o que quer dizer borda d´água (conexão útil entre terra e água). O Brasil tem o litoral grande, mas pouquíssima borda d´água. E o licenciamento é complicado porque não há uma regulamentação ainda coerente. Temos poucas marinas, poucos portos de pequena cabotagem. As instalações náuticas são antigas. As novas são mal feitas. Então ainda temos muito o que aprender. Mas é uma área que tem muito pra crescer ainda.

Residenciais. Que solução você enxerga para esse problema?
Amyr Klink. É um problema cultural. Com o tempo vamos começar a entender. Talvez viajando a gente perceba como essa atividade é bem sucedida em muitos países, e que inclui também outros ramos de negócios. O certo mesmo, para uma pessoa de bom senso, que tem uma atividade normal, não é comprar um barco. Barco é algo que você usa por poucos períodos ao longo da sua vida. O certo é alugar. E o mercado de embarcações é extremamente ativo, virtuoso, gera impacto positivo em quase todas as áreas, só que o Brasil não tem isso, porque ninguém conhece o negócio ainda. A gente costuma entrar tarde em alguns ramos de negócios, mas eu acho que uma hora vai acontecer e vai ser positivo pra todos.

Residenciais. Por que o Brasil não aproveita tanta água navegável?
Amyr Klink. O que eu lamento muito é que o Brasil tem uma vocação náutica que faz parte da história. Para se ter uma ideia, a cidade de São Paulo, na verdade, nasceu com uma posição estratégica em relação a três rios: Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Em 1930, quando SP já tinha mais de um milhão de habitantes, tinha mais registros de embarcações do que de carros. E de repente o Brasil foi se afastando de tudo o que estava ligado ao uso da água como meio de mobilidade, o que foi um erro estratégico terrível. Tínhamos sistemas fluviais naturais pra navegação, malhas fluviais como, por exemplo, a baixada santista, que foi totalmente destruída por obras irresponsáveis como a Imigrantes, a Anchieta. Todas as estradas construídas na baixada santista, em minha opinião, são criminosas. Elas deveriam ter sido planejadas com pontes para permitir que a navegação continuasse. Criminosamente, nossos especialistas de transporte, governadores, prefeitos e ministros fizeram pontes baixas, que geraram um monte de problemas sociais como, por exemplo, urbanização sem planejamento na baixada e isolamento de áreas que, antes eram assistidas por embarcações, e hoje não são mais. E esse processo aconteceu em vários lugares do Brasil.

Residenciais. Como você imagina a urbanização em torno dos rios?
Amyr Klink. O certo seria se todos os condomínios, verticais principalmente, estivessem de frente para o rio, e seus jardins também fossem de frente para o rio. Isso no Brasil curiosamente não acontece. E tem a história dos portos que se tornaram mais técnicos. O lado histórico da maioria das cidades brasileiras, que deveria ser incorporado ao uso urbano da cidade, não foi. Na cidade de Porto Alegre, por exemplo, o porto está amputado do convívio das pessoas. Na cidade de Belém é a mesma coisa. Enquanto nos outros lugares do mundo as regiões portuárias passaram a ter uma incorporação seletiva, com condomínios bonitos, espaços culturais, espaços de lazer e hotelaria, fizemos o contrário. Deixamos essas regiões se tornarem muito degradadas. Mas isso também vai mudar. É uma questão de aprendizado.

Residenciais. Hoje a prioridade é a questão do transporte público. Como você analisa essa questão?
Amyr Klink. Eu considero equivocadas todas as soluções convencionais que utilizamos para transporte. O transporte público, nas cidades brasileiras, foi mal idealizado. A gente continua achando que o transporte público é a solução, mas também não é a solução. Não queremos repensar o nosso modelo de urbanização. O carro, hoje, é uma entidade a ser repensada. Eu ando de carro pra viajar, mas eu me recuso a entrar num veículo que pesa mais de duas vezes o meu peso.
Estamos vivendo outro equívoco extraordinário de achar que o automóvel elétrico vai resolver os problemas de poluição. Pelo contrário: o automóvel elétrico é uma bomba de poluição. É de uma ingenuidade assustadora ver um presidente de uma montadora falar que o carro elétrico é o futuro. Carro elétrico tinha nos Estados Unidos, na década de 30. As baterias são pesadas, a autonomia é baixa. Temos que pensar num modelo de transporte novo. Acho bacana, luxuoso e confortável um carrinho de 400kg. Estou muito entusiasmado com essa tecnologia de motores de ar comprimido, por exemplo.

Residenciais. Você gosta de morar em São Paulo?
Amyr Klink. É ótimo porque eu viajo muito. Moro perto do porto e em 50 minutos estamos na água salgada, na baixada santista. Eu gosto de morar em SP, por incrível que pareça (risos).

Fonte: Residenciais