No Fim do Mundo: a conquista da Antártica

Na vastidão branca do deserto gelado, um intricado jogo que envolve delicados biomas, políticas internacionais e pesquisa científica mostra a importância do continente para a manutenção climática e pacífica da humanidade

Nós sempre nos autodefinimos a partir da habilidade de superar o impossível. E nós contamos esses momentos. Os momentos em ousamos mirar mais alto… Quebrar barreiras… Tentar alcançar as estrelas. Tornar conhecido o desconhecido. São as realizações das quais mais nos orgulhamos. Mas perdemos isso tudo. E talvez tenhamos esquecido de que ainda somos pioneiros e nós mal começamos. E que nossas grandes realizações não podem ficar para trás porque nosso destino está acima de nós”.
(Interestelar; Jonathan & Christopher Nolan)

Desde o primeiro momento em que um homem colocou um barco na água, sua intenção sempre foi a de explorar e de conquistar o novo: por terra, pelo mar, pelo ar e pelo espaço, fomos motivados e inspirados a nos revolucionar, superar barreiras e conquistar o que ainda não dominávamos.

As grandes navegações aconteceram entre os séculos XV e XVII, e serviram basicamente para os europeus buscarem novas rotas de comércio. Nessas viagens, os navegadores se deparavam com novos continentes e a expansão da cultura europeia tinha início. Mas existia um lugar que ninguém poderia colonizar – um deserto branco onde ninguém conseguiria sobreviver.

Naquela época, os mapas traziam um gigantesco continente ao sul. Sabia-se da sua existência, mas não haviam registros para o que servia aquele pedaço de terra e o que tinha lá. Essa região era conhecida como Terra Australis e se acreditava que ela balanceava o peso da Europa, Ásia e África no globo.

Hoje, a Antártica se tornou um lugar fascinante para navegadores, cientistas, curiosos e amantes da natureza, mas ainda desconhecido. Muitas das pesquisas e visitas por parte de turistas acontecem só em algumas ilhas nos arredores do continente, as chamadas ilhas subantárticas – o interior ainda foi pouco explorado, e acredita-se que tem muito a ser descoberto em termos científicos.

O papel desempenhado pela Antártica na dinâmica climática, política e científica é bem relevante. Hoje, o desempenho do Brasil na pesquisa científica começa a ganhar força; as relações políticas dos países que fazem parte do Tratado da Antártica envolvem paz e solidariedade. E o turismo – que poderia ser o aspecto mais prejudicial – se torna um importante meio de preservação e conscientização sobre esse imenso continente gelado.

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(foto: Marina Klink)

Alguns historiadores dizem que os povos vizinhos à Antártica, como os Aush, da Terra do Fogo, e os Maori, da Nova Zelândia, foram os primeiros a chegarem ao continente – mas, como nunca foi encontrado algum registro, a primeira viagem ao continente se dá quando o Capitão James Cook cruza com as tripulações dos navios Resolution e Adventure o Círculo Polar Ártico três vezes entre 1772 e 1775, desfazendo o mito do Terra Australis – sem, no entanto, avistar o continente devido ao gelo e um denso nevoeiro.

Na primeira metade do século XIX, navios baleeiros e foqueiros chegam à região das Ilhas South Sandwich. Nesse meio tempo, ocorrem algumas explorações esporádicas por parte de navegadores europeus e dos Estados Unidos.

Durante o VI Congresso Internacional de Geografia, que aconteceu em 1895, os seus participantes lançaram um apelo pela exploração da Antártica devido aos benefícios científicos que poderiam advir do continente. Assim, começa uma corrida para o Ártico, e em 1898 o barco Bélgica, formado pelo zoólogo romeno Emile Racovtiza, pelo geólogo polonês Henryk Arctowski, pelo navegador e astrônomo belga George Lecointe, pelo médico americano Dr. Frederick Cook e pelo norueguês Roald Amundsen realizam a primeira invernagem na Antártica.

Amundsen se torna uma referência na história ártica quando, em 14 de dezembro de 1911, conquista o Polo Sul, colocando os pés no centro do continente. Além disso, ele também se torna responsável por registrar os polos magnéticos do globo e desenvolver técnicas de sobrevivência no Ártico ao adaptar o tipo de vestimenta dos Netsilik, povo indígena que reside no Canadá.

Essa corrida pelo continente gelado trouxe severas disputas entre seus participantes, mas todos deixaram sua marca na história ao repassar os conhecimentos de navegação, cartas náuticas e registros. É dessa época que saem grandes obras de memórias e diários de bordo que auxiliaram navegadores de outros períodos.

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Mapa de Terra Australis (reprodução)

Amyr Klink é um dos maiores navegadores do Brasil – se não o maior. Em 1984, ele realizou a travessia do Atlântico Sul da Namíbia ao Brasil num pequeno barco a remo, contado no livro Cem Dias Entre Céu e Mar. Em dezembro de 1989, ele realiza a sua primeira viagem à Antártica, uma expedição bem desafiadora e que envolvia uma invernagem, que durou até dezembro do próximo ano e envolveu a construção do primeiro Paratii. Desde então, o continente se tornou uma espécie de segunda casa, tocando todos os membros da família Klink.

Amyr é natural de São Paulo, e nasceu em 25 de setembro de 1955. Sua inspiração por viagens e pelo mar veio através da cidade de Paraty (RJ), que começou a frequentar ainda pequeno. A cada livro escrito por Amyr que você lê, descobre-se cada vez mais o envolvimento dele com esse mundo de aventuras, com a pesquisa em cima de histórias reais de grandes navegações. Ele aprende com os erros dos outros e desenvolve o que há de mais moderno em embarcação com a construção do Paratii 2, que começou em 1994 e só terminou em 2001.

Enquanto combinava a entrevista com Amyr, a esposa dele, a fotógrafa Marina Bandeira Klink, me dava dicas e me orientava sobre o que ler e me dava alguns recortes da história da Antártica, envolvendo a pesquisa sobre alguns exploradores que tiveram grande importância no processo de conquista do continente.

Na conversa que tive com Amyr, começo perguntando sobre esses grandes navegadores – e descubro que muito do que havia pesquisado e entendido era bem mais complexo e profundo. Ele relembra que as expedições lideradas por Nathaniel Palmer entre 1820 e 1830 serviram para procurar novos celeiros para caçar baleias. “Era no pior sentido de exploração que se fez as primeiras viagens para o Ártico. Mesmo os irmãos Enderby, que acabaram patrocinando a segunda ou terceira circum-navegação do continente Antártico, tinham um propósito voltado para exploração econômica”, explica.

Amyr argumenta que esses eventos foram importantes “porque eles foram construindo o caminho da viabilidade técnica de se ir para lá. É uma região de navegação difícil, isolada. O southern ocean é um oceano difícil, tempestuoso, com uma série de obstáculos de visibilidade, ondas grandes, ventos irregulares, neblina, gelos à deriva… E eu acho que a partir da corrida para o polo é que se começa a criar um propósito de pesquisa científica a parte da exploração econômica”.

O navegador também comenta que essas expedições realizadas por exploradores como Amundsen, Robert Falcon Scott ou Ernest Shackleton serviram mais para mistificar a região do que transformar a navegação e exploração da Antártica em uma atividade séria. “(A Antártica) é uma região aonde os cientistas não entendem nada da navegação, e eles estavam simplesmente preocupados com aspectos ligados à ciência. Lá é uma região que demanda habilidades técnicas em navegação muito grandes. Eu acho que uma expedição como a do Shackleton nada colaborou para a navegação ficar séria, ela simplesmente ajudou a mistificar ainda mais”, ele completa.

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(arte: Lucas Loconte)

Por Lucas Loconte

Fonte: Zazue