Amyr Klink contra o desperdício de água

Ele já viajou mais de 35 vezes à Antártica, atravessou o Atlântico sozinho num barco a remo, sem contar as duas voltas ao mundo que deu – sem escalas – em um veleiro. Constrói seus próprios barcos e edificações flutuantes, como casas e restaurantes, sobre lagos ou mar. Ou seja, a água é elemento constante na vida de Amyr Klink, velejador brasileiro reconhecido internacionalmente, o que torna um especialista no tema.

De cara, ele diz que o maior erro que se pode cometer em sua utilização é o desperdício. “No Brasil, não se sabe lavar a louça! Não tem sentido direcionar uma mão para comandar a água enquanto a outra segura o objeto a ser lavado. Quando lavo louça fina, como taças de vinho, tenho que ter as duas mãos livres para segurá-las. Não é possível evitar quebra-las se tenho que soltar do copo para abrir ou fechar a torneira. Assim, você quebra a louça na pia. E o ato de acionar uma torneira é dos mais imbecis que pode existir”, afirma Amyr. Ele conta que, certamente, se falasse há dez anos que ninguém sabe lavar louça, seria muito criticado. Mas, hoje, sente que as pessoas estão preocupadas e têm mais curiosidade para saber o que é possível fazer para economizar água.

Em seus barcos, para abrir e fechar a torneira, Amyr usa pedais de comando, que controlam com maior precisão o fluxo da água. Assim, é possível lavar a louça ou escovar os dentes com a quantidade exata necessária. “Trata-se de uma tecnologia americana simples e barata, que funciona com uma bomba de membrana”, explica. “Só esse mecanismo reduz o consumo de quase 80% da água que vem para a cozinha”. O problema, como ele mesmo aponta, é que esse tipo de torneira ainda não é fabricado em larga escala e sua instalação também não está prevista em normas de construção no Brasil.

Defensor ferrenho de ações que implementem a economia da água, Amyr garante que só instala projetos eficientes nos barcos que constrói. “Não é preciso abrir mão do conforto, muito pelo contrário!! Minhas filhas adoram lavar louça no barco, porque é mais divertido ficar com as duas mãos livres. Você comanda a água com duas torneiras – há uma de água salgada e outra de água doce – e a direciona para onde quiser. E este é um outro detalhe importante a observar: para que usar água tratada para tirar os restos de comida? Para o velejador, as casas deveriam reaproveitar água da chuva para lavar, por exemplo, a calçada, a grama ou a garagem. “Não tem cabimento usar água tratada para isso!! Não é fácil recuperar água da chuva, mas a tecnologia poderia estar nas normas de construção. Os condomínios também deveriam ser estimulados a reutilizar as águas”, afirma.

Há também outras maneiras, ainda mais simples, de combater o desperdício quando se está em alto mar. “Fazemos a pré-lavagem de roupas com água do mar. Existe um mecanismo que lava, bate e amacia o tecido com água salgada e um líquido degradável. Depois, é só enxaguar com a água doce!”.

Agora, levando em conta que essa tecnologia ainda não está disponível para todos, Amyr comenta sobre os modelos de máquinas de lavar roupa que consomem um quinto da água usada por máquinas tradicionais. “O problema é que ainda não foram criados mecanismos de incentivo para que as pessoas optem por elas na compra. As grandes questões em relação ao consumo e à sustentabilidade estão na esfera da fiscalização, da política e do estímulo econômico”. Neste caso, Amyr, citou e elogiou a iniciativa da Ambev com o Banco da Água – lançado em fevereiro (Leia Banco Cyan: economize água e ganhe descontos), que mostra que, quando economizamos água, economizamos dinheiro também.

Para o velejador, outro exemplo de estímulo ao consumo consciente deve vir dos próprios consumidores, que deveriam dar preferência a produtos feitos a partir de processos industriais mais sustentáveis. “Soube que um quilo de soja demanda de três a cinco metros cúbicos de água para ser produzido. Claro que não é uma água jogada fora, mas esse é um número extraordinário. Existe um dispêndio de água brutal nas atividades industriais”, diz e aponta que é possível avançar quanto a economia desses processos (Veja o infográfico A Água que você não vê e leia as reportagens indicadas no final da matéria).

Além das questões que envolvem a água, os efeitos do aquecimento global também são recorrentes na vida do velejador. Em suas viagens, já teve que buscar novas soluções para enfrentar o aumento da temperatura do planeta. “Convivo com a elite científica que pensa esse assunto no mundo e eles não estão de acordo, mas claro que já houve uma mudança muito grande no clima. Há 15 anos, eu tomava banho de sol na Antártica sem protetor solar, porque lá o ar é seco, não há muito vento e não se sente frio. De dez anos para cá, quem não passa protetor fica com queimaduras gravíssimas, vai para a enfermaria e não sai mais de lá”, alerta.

Também há impactos sobre os materiais que utiliza para velejar. Cabos de polipropileno usados na atracação, por exemplo, duravam entre cinco e seis temporadas na Antártica. Mas, por causa das mudanças no clima, atualmente resistem durante apenas uma temporada e viram pó, conta Amyr. “É um material barato e supersensível à ação ultravioleta. Uma das coisas que mais me impressionou, por conta do aquecimento é a ação ultravioleta”. Além disso, ultimamente o custo com o jogo de velas subiu, já que, agora, dura por volta de dois anos. Esse é um dos motivos pelos quais Amyr se dedica à construção de embarcações mais eficientes. “Se vamos usar motores de ciclo diesel, por que não eliminar o uso de hidrocarbonetos? O Brasil tem essa tecnologia. Deve-se simplesmente tirar os hidrocarbonetos do sistema de propulsão à gasolina e a diesel”, conta. “Velejar é lindo e parece uma forma limpa de energia. Mas, com esses problemas de materiais, hoje é muito mais caro e desperdiça muito mais insumos do que andar com óleo diesel”, lamenta.

Amyr Klink participou de encontro promovido pelo Movimento Cyan, em São Paulo, em que diversos especialistas em água falaram a respeito de questões relacionadas à água: uso, desperdício, preservação, inovação, entre outros temas.

Fonte: Abril / Exame